domingo, 14 de novembro de 2010

Busque amor


“Busque amor novas partes, novo engenho
para matar-me, e novas esquivanças,
que não pode tirar-me as esperanças;
que mal me tirarão o que eu não tenho.

“Olhai que de asperezas me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes, nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido lenho.

“Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá m’esconde
amor um mal, que mata e não se vê.

“Que dias há que n’alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei donde,
vem não sei como, e dói não sei porquê”.


(Camões)

Ciúmes e Relacionamento


“O problema de um relacionamento nunca é o ciúme, é a indiferença. (…)
É claro que é legal respeitar a solidão do outro, mas há um individualismo que de certa forma não faz a gente querer um amor, mas uma amizade. Não queremos nos desesperar por alguém, queremos mesmo é evitar o sentimento extremado. Se você pode sair e voltar a qualquer hora, se você tem o controle do que você pede num relacionamento, isso é tudo menos amor. Os relacionamentos hoje são mais acordos do que entregas, mas na verdade queremos alguém que possa nos reconhecer. (…)
Porque amor é justamente isso, é ficar inseguro, é ter aquele medo de perder a pessoa todo dia, é ter medo de se perder todo dia. É você se ver mergulhado, enredado, em algo que você não tem mais controle. Mas aí o que fazemos? Amamos com limite para não sofrer.”

(Fabrício Carpinejar)

Felicidade



1. invólucro onde se guardam sorrisos;

2. momento em que os ponteiros do relógio decidem dançar valsa;

3. líquido viscoso que escorrega por entre os dedos;

4. pedaço de gente com cheiro de talco;

5. movimento espontâneo dos cantos da boca em direção às orelhas;

6. sobrenome do azul;

7. olodum dentro do peito;

8. conjunto de círculos concêntricos em rubro e branco para onde se atiram dardos em forma de coração;

9. roçar de pés por sob o cobertor em noites com temperatura inferior a 18 graus;

10. tia-avó da alegria;

11. erva da qual se faz um chá afrodisíaco;

12. movimento elíptico do Sol em torno do ser amado;

13. nome dado à gota salgada que despenca dos olhos em dia de festa;

14. sensação de se ter feito o que se deveria ter feito;

15. oitava cor do arco-íris;

16. retângulo onde se inserem flagrantes registrados em nitrato de prata;

17. desejo súbito de voar;

18. distúrbio psicológico que causa avalanche de gargalhadas;

19. silêncio que se segue à trovoada;

20. exibição permanente da arcada dentária sem motivos justificados aos olhos dos desprovidos de inocência. (Ex.: “Vem, amor, me dá um beijo e me arranha as costas, que hoje eu quero sentir o gosto da felicidade.”



- André Gonçalves in “Coisas de Amor Largadas na Noite”

Quero que saibam


Discretamente, enviei sinais de socorro aos amigos. Ninguém ajudou. Me virei sozinho. Isso me endureceu um pouco mais. Não foi só você, não. Foram também pessoas até mais íntimas, (…) me virei sozinho com enormes dificuldades. Não me lamuriei. Mas preciso que as pessoas saibam que isso doeu — exatamente porque algumas destas pessoas (…) importam para mim.
 
Caio F. Abreu in “Cartas”


Nós


“A mulher apaixonada tenta ver com os olhos dele; lê os livros que ele lê, dá preferência à música que ele prefere, só se interessa pelas paisagens que vê com ele, nas idéias que vêm dele, adota as amizades, as inimizades, as opiniões dele, quando se questiona, é a resposta dele que tenta ouvir (…) A suprema felicidade da mulher apaixonada é ser reconhecida pelo homem amado como parte dele, quando ele diz “nós”, ela está associada e identificada com ele, compartilha do seu prestígio e reina com ele sobre o resto do mundo: nunca se cansa de repetir – até o exagero – esse deleitável “nós”

(Tête-à-Tête de Hazel Rowley)

Cantico VI


Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.

- Cecília Meireles

Violão


Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d’amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas… Até na maneira de ser tocado – contra o peito – lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.

Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca!
Um violoncelo? Talvez (…).

E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei: um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua.


Vinicius de Moraes in “Pra viver um grande amor”

domingo, 7 de novembro de 2010

O Convite da Loucura


A Loucura resolveu convidar os amigos para tomar um café em sua casa. Todos os convidados foram. Após o café, a Loucura propôs:
- Vamos brincar de esconde-esconde?

- Esconde-esconde? O que é isso? - perguntou a Curiosidade.

- Esconde-esconde é uma brincadeira. Eu conto até cem e vocês se escondem. Ao terminar de contar, eu vou procurar, e o primeiro a ser encontrado será o próximo a contar.

Todos aceitaram, menos o Medo e a Preguiça.

-1,2,3,... - a Loucura começou a contar.

A Pressa escondeu-se primeiro, num lugar qualquer. A Timidez, tímida como sempre, escondeu-se na copa de uma árvore. A Alegria correu para o meio do jardim. Já a Tristeza começou a chorar, pois não encontrava um local apropriado para se esconder. A Inveja acompanhou o Triunfo e se escondeu perto dele debaixo de uma pedra.

A Loucura continuava a contar e os seus amigos iam se escondendo.

O Desespero ficou desesperado ao ver que a Loucura já estava no noventa e nove.

CEM! - gritou a Loucura! - Vou começar a procurar...

A primeira a aparecer foi a Curiosidade, já que não aguentava mais, querendo saber quem seria o próximo a contar.

Ao olhar para o lado, a Loucura viu a Dúvida em cima de uma cerca, sem saber em qual dos lados se esconder. E assim foram aparecendo a Alegria, a Tristeza, a Timidez... Quando estavam todos reunidos, a Curiosidade perguntou:

- Onde está o Amor? Ninguém o tinha visto. A Loucura começou a procurá- lo.

Procurou em cima da montanha, nos rios, debaixo das pedras e nada do Amor aparecer. Procurando por todos os lados, a Loucura viu uma roseira, pegou um pauzinho e começou a procurar entre os galhos, quando de repente ouviu um grito. Era o Amor, gritando por ter furado o olho com um espinho.

A Loucura não sabia o que fazer. Pediu desculpas, implorou pelo perdão do Amor e até prometeu segui-lo para sempre. O Amor aceitou as desculpas. Por isso é que até hoje o Amor é cego e a Loucura o acompanha sempre.

Autor Desconhecido.


















sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Amar era tão infinitamente melhor


“Às vezes é preciso recolher-se. O coração não quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma vez resolve sentar-se à beira dessas águas. Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um começo de sabedoria, e dói. Dói controlar o pensamento, dói abafar o sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido. Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem hoje se ausenta era tão imensamente mais rico. Não queremos escutar essa lição da vida, amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só o que nos resta. Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade, e ficamos quase sem sonhar. Quem nos vê nos julga alheados, quem já não nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambigüidade e mutação, este silencio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os seus acenos.”



- Lya Luft

Ser adulto é ser cego



São as crianças que vêem as coisas – porque elas as vêem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto vê-Ias, já não as vêem mais. As coisas as mais maravilhosas – ficam banais. Ser adulto é ser cego.


Rubem Alves


Por causa de uma namorada


Esqueça o que lhe disse. Um dia conversaremos sobre isso. Não dê importância, hoje eu estou chateado, amargurado, pessimista. Estava esperando um telefonema, ela não me telefonou. Você vê como são as coisas: por causa de uma namorada a gente chega a emitir conceitos sobre Deus e o mundo, sobre literatura, dizer que a vida é uma merda.


Fernando Sabino in “0 Encontro Marcado”